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Destaques

Insones - a vertigem em alta voltagem

Por Marco Vasques e Rubens da Cunha

Se é detectável uma névoa de empáfia e arrogância em certos departamentos de artes, e se tal oxigênio vem, muitas vezes, incentivado e acompanhado pelo mestre, soberano do saber que cria sua vassalagem a sua imagem e semelhança, é igualmente verificável, nos mesmos departamentos uma onda de criatividade, de invenção, de rebeldia, de desejo real de não se sujeitar à temerosa atmosfera que asfixia o momento em que nos situamos.

O espetáculo Insones, resultado da parceria entre os estudantes Adriano Medeiros e Gabriel Velasques, está inscrito no segundo registro. A montagem é a conclusão do projeto da disciplina “Prática de Direção” do curso de Teatro da UDESC, ministrada pelo professor José Ronaldo Faleiro. Trata-se, num primeiro plano, de um show performativo com banda ao vivo e trânsito temático entre o sublime e o banal. Amor, sexo, política, a ternura por um travesseiro, a erudição, o saber mínimo, o silêncio, as desventuras amorosas e as mesquinharias do cotidiano que apequenam nossas almas são apresentados num fluxo e num ritmo que embaralham o binômio razão/devaneio. São muitas as questões problematizadas, sempre com irreverência, humor e um lirismo que se move entre a ironia, o cômico, o trágico e passa pelo nonsense.

A ambientação cênica é polissêmica, pois o espectador define, de algum modo, se está num bar suburbano, num estádio assistindo uma banda que varia o punk e prog rock, num ambiente ilusório ou no delírio onírico do ator Adriano Medeiros que, em estado insone, resolve mergulhar na agonia e nas suas angustias até que Morfeu resolva dar o descanso e estancar o turbilhão de pensamentos vividos madrugada adentro.



Existem alguns aspectos que se destacam em Insones: a qualidade da banda, que canta ao vivo; a atuação de Adriano Medeiros, que se posiciona na condição de líder dos músicos; a direção e a dramaturgia que alternam canções-poemas com uma fala franca com o espectador. Sobre esta fala direta com o público, cabe, ainda, uma observação, pois, nas duas vezes em que assistimos ao espetáculo, o jogo proposto é o de uma ambiguidade que ora chama o público para dentro do espetáculo num exercício empático e de contágio. O espectador é colocado na condição de torcida, de amante apaixonado que se contrapõe a momentos de estranhamento total, sobretudo nas falas que ocorrem entre uma letra e outra. Essa dimensão dúplice é executada com maestria por Adriano Medeiros, que domina a plateia inteira, desde o início do jogo proposto. Esse recurso de afastamento e aproximação é alcançando via texto e via desvios poéticos propostos por cenas que sobrepõem a dimensão lírica à dimensão que se relaciona com o grotesco, com o estranho, com o surreal. Importante não se perder de perspectiva que estamos dentro da dimensão onírica e feérica, dimensão em que as relações são tramadas sem a medicação da razão.



Insones é um trabalho que se propõe como vertigem, vertigem em alta voltagem. A atuação de Adriano Medeiros, que não é propriamente um iniciante, pois é ator que integra o elenco do grupo Cirquinho do Revirado, de Criciúma, une expressão vocal e corporal alcançando níveis de expressividade que dialogam com a iluminação, nitidamente construída para dimensionar o público na ambientação caótica em que nos encontramos nos estados de insônia, alucinação ou em sonho, por isso o ritmo do espetáculo e tramado entre a velocidade máxima e recortes lentos em que lapsos e lembranças se acumulam.

Outro ponto importante é o grau de sintonia existente entre os músicos Henrique Goulart da Silveira, João Vitor Peters, João Luis Pereira, Gustavo Grillo e Marco Amaral com a performance de Adriano Medeiros, que também assina a dramaturgia textual. Não é incomum, quando se tem uma banda integrada a um espetáculo “solo”, sobretudo se ela agregar músicos de altíssima qualidade, haver uma sobreposição descontínua. Mas isso não acontece porque Insones possui aquela característica inerente aos espetáculos em que a teoria serve de elemento para aprimorar a prática, como tão bem defende Josette Féral no livro Além dos Limites – Teoria e Prática do Teatro. O pensamento, neste caso, se traduz em pensamento-ação. Não há sobreposição nos elementos que compõem Insones, o que resulta num trabalho do tamanho de sua pretensão e da sua coragem.



Podemos pensar aqui em Jean-Pierre Sarrazac que defende a ideia de um teatro que seria uma “máquina insoniosa”. Tal teatro teria lugar “para além do julgamento, no jogo dos possíveis. Não puniria nem consolaria. Teria a crueldade de um combate permanente contra si mesmo. Ao espectador, ofereceria apenas reparação. Entenda-se: um lugar e um tempo para retomar forças.” Insones oferece essa reparação ao espectador, mesmo sabendo que se está diante de um experimento estudantil, pois o trabalho, como já afirmamos, é o resultado de uma disciplina de graduação. Por isso, Insones é a prova concreta de que o ensino das artes, seja no campo da teoria, seja no campo da prática, pode ser exercido, dentro da academia, sem que se caia nos discursos viciados, empoeirados e autoritários que costumam permear as relações acadêmicas. O espetáculo será apresentado, no Teatro do Sesc Prainha, no dia 8 de dezembro, dentro da amostra Cenas Emergentes, com entrada franca. Quem for insone, que aproveite!


Ficha Técnica:

Direção: Adriano Medeiros e Gabriel Velasques

Dramaturgia e letras: Adriano Medeiros

Iluminação: Gabriel Velasques

Sonoplastia: João Luis Pereira

Designer Gráfico: Felipe Hipólito e Sidney Júnior

Designer de Animação: Alice da Silva

Fotografia: Laura Biasi, Vanessa Soares e Jerusa Mary

Câmera e projeção: Rodrigo de Freitas

Banda

Adriano Medeiros: Atuação e Vocal

Henrique Goulart da Silveira: Guitarra e Backvocal

João Vitor Peters: Baixo e Backvocal

João Luis Pereira: Teclado

Gustavo Grillo: Bateria

Marco Amaral: Trompete


Arquivo
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