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ENTREVISTA COM CLARICE SIEWERT

A ARTE DE AGARRAR OS SENTIDOS “Aquilo tudo fazia sentido. E quando a gente acha algo que faz sentido, acho que a gente se agarra”, nos diz Clarice Siewert quando fala sobre seu desejo de ser atriz. Clarice se agarrou a esse sentido encontrado ainda na adolescência e se tornou uma das atrizes mais interessantes do cenário teatral catarinense dos últimos 20 anos. Desde 1997, ela faz parte do elenco fixo da Dionisos Teatro, uma das companhias mais sólidas do teatro catarinense. Nesta entrevista, Clarice fala de seu processo de formação, de sua pesquisa em torno do teatro playback, de sua relação longeva e profunda com Silvestre Ferreira – criador e diretor da Dionisos –, bem como com os outros membros do grupo. Além disso, ela também reflete sobre o atual momento histórico e como isso está afetando sua carreira de atriz e a da sua companhia.


Clara, para começarmos, gostaríamos de saber se houve algum fato ocorrido na infância ou na adolescência que despertou em você o desejo de ser atriz.

Não me recordo de nenhum fato específico. Lembro-me de querer ser bailarina quando era bem pequena (dentre tantas profissões que me cercaram em determinados períodos). Mais tarde, no Ensino Fundamental, achava muito divertido apresentar os trabalhos escolares no formato de peças de teatro (ainda que não fossem solicitados dessa forma). Era de fato uma diversão para mim, mesmo nunca tendo feito nenhuma aula de teatro até então. Eu realmente passei a me relacionar com a área quando comecei a fazer parte do grupo Bytes & Parafusos, da Escola Técnica Tupy, isso no Ensino Médio. Silvestre Ferreira era o diretor e professor. Acho que essa foi a experiência fundamental. Eu era uma adolescente bem ativa, fazia várias atividades para além das aulas curriculares. Mas era o teatro que mais me desafiava. Era lá que eu encontrava um grupo de pessoas que pensava de maneira mais parecida comigo. Eu era muito tímida, mas o palco me atraía. No geral, meus colegas de cena, quando iam se apresentar, riam muito e se divertiam na coxia. Já eu ficava séria, extremamente concentrada na apresentação. Aquilo tudo era muito desafiador pra mim. E tive experiências maravilhosas, com peças como Estações, Sonho de Uma Noite de Verão, O Homem que Enganou a Morte, entre outras. Com Sonho, especialmente, lembro-me do arrepio que dava quando aquele auditório cheio aplaudia efusivamente ao final da peça. Para mim, aquilo teve um poder de não me deixar visualizar mais outras coisas para a minha vida. Aquilo tudo fazia sentido. E quando a gente acha algo que faz sentido, acho que a gente se agarra, pois poucas coisas fazem realmente algum sentido nesta vida!


Amor por Anexins. Foto de Roseli Sartori.

Amor por Anexins. Foto de Roseli Sartori.


Neste momento pelo qual estamos passando, de criminalização da arte e dos artistas, de desmonte da educação e do país como um todo, qual foi a importância de encontrar no período escolar a possibilidade de fazer teatro?

Como falei, fundamental. Se eu não tivesse seguido carreira de atriz, mesmo assim teria sido uma experiência fundamental. Discutir o fazer teatral, o trabalho em grupo, os temas que apareciam, além do desafio de, como adolescente, sustentar o trabalho de corpo na frente dos colegas e de me expressar artisticamente, tudo isso abriu sobremaneira meus horizontes. Questionei a vida, a sociedade, as relações... tudo era visto de forma diferente no teatro. Conheci pessoas que talvez eu jamais tivesse conhecido. Aprendi a me colocar no lugar do outro, a estudar, a conhecer o meu corpo. Lamento que ainda hoje muitas crianças e adolescentes não tenham essa experiência fundamental de conhecer de perto uma linguagem artística, podendo usá-la como forma de conhecimento e expressão. Isso faz parte de uma educação libertadora, que, com certeza, não está na pauta do dia.


Entardecer. Foto de Luiz Carlos Hille.

Entardecer. Foto de Luiz Carlos Hille.


Poderia nos falar como se deu o processo de formação e de profissionalização da Dionisos Teatro? Vocês são uma das companhias de teatro de Joinville mais duradouras, além de referência não apenas na cidade, mas também em Santa Catarina.

A Dionisos foi fundada em 1997 por Silvestre Ferreira. Esse foi o ano em que entrei no grupo Bytes & Parafusos (eu tinha 15 anos). Na época, a Dionisos era mais uma produtora do que um grupo de teatro. Tinha uma sede com aulas de diversas áreas artísticas. Quando fui convidada para participar, em 2000, já estava em outra configuração. A sede diminuiu, as aulas acabaram, e viramos um grupo de teatro profissional. Com a direção do Silvestre, éramos inicialmente um elenco fixo formado por mim, pela Andréia Malena Rocha e pelo Jomar Lúcio de Lima. Começamos a montar peças para determinados projetos (como os 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo). Contávamos histórias nos mais diversos espaços (empresas, escolas, comunidades). E estreamos, em 2002, a peça A Farsa do Mestre Pathelin, que entrou em cartaz e participou de festivais de teatro. Nossa formação foi em cena... que no nosso caso significava pátio de escola, chão de fábrica, rua, salão de comunidade e, às vezes, teatro! Fazíamos as oficinas que vinham para Joinville ou que nós trazíamos via projeto. Cada integrante do grupo foi fazendo formações que lhe interessavam. Eu fiz mestrado em teatro na UDESC. O grupo fez muitas formações em teatro playback. Viajamos muito. Já circulamos o estado de Santa Catarina por duas vezes pelo SESC e o estado de São Paulo pelo SESI. Participamos de eventos e projetos internacionais no México, na Colômbia, na Alemanha e no Canadá. Fomos receber recurso de edital público somente em 2005, com a montagem de Babaiaga. Até então, fazíamos tudo com recursos próprios (a maioria do próprio Silvestre). Tínhamos uma sede, na qual fomos montando um grande repertório de material de cena e de figurinos. Montamos cerca de 20 peças teatrais (várias em repertório ainda hoje), além de diversos outros pequenos trabalhos para empresas e instituições. Em todo esse período, o elenco mudou muito pouco. Jomar saiu, Eduardo [Campos] e Vinicius [Ferreira] entraram. Tivemos muitos parceiros importantes, tais como Hélio Muniz e Manoella Carolina Rego. Até esta pandemia, o elenco sempre trabalhou exclusivamente para o grupo, obtendo sua renda de nossas produções. As coisas mudaram um pouco este ano...


Babaiaga

Babaiaga, 2005.


Quais foram as principais dificuldades encontradas ao longo destas décadas de trabalho?

Acredito que as principais dificuldades estão na questão financeira e de reconhecimento. Sei que temos uma trajetória bastante peculiar. Poucos grupos vivem exclusivamente do seu trabalho, como nós temos feito até então. Tivemos momentos de mais tranquilidade e momentos de crise financeira bem complicados. Mas sempre seguramos a onda um do outro. Nos últimos anos, temos sentido a crescente dificuldade em participar dos editais públicos (bem particularmente o municipal, que tem tido questões burocráticas gravíssimas). Isso afeta nossa produção, com certeza. Nunca sobrevivemos de editais, mas eles são importantes ferramentas para podermos viabilizar nossos desejos artísticos (e não somente os serviços que prestamos na área). O reconhecimento também é algo que precisamos estar constantemente reconquistando. Ainda hoje precisamos explicar que sobrevivemos do nosso trabalho, que ele tem valor (não só de geração de renda, mas de importância para a sociedade). Por não sermos “atores famosos”, é, muitas vezes, difícil ampliar o círculo de pessoas que vêm nos prestigiar em nossas produções.


Silvestre Ferreira dirige a Dionisos Teatro desde sua fundação. Pode nos falar um pouco sobre essa parceria com ele?

Silvestre com certeza é a minha grande referência no teatro. Ele é um professor apaixonante. Sabe lidar com seus jovens atores, envolvendo-os e os comprometendo. Foi assim comigo. Nossa relação mudou muito, com certeza. Nós mudamos muito! De professor, passou a diretor, amigo, sócio, consultor. Ele tem grande sensibilidade e ética. Atualmente, acredito que somos mais parceiros de cena. Por mais que ele continue mais na função de direção, creio que abrimos um caminho de criação coletiva. Temos muita liberdade de criação e diálogo. Devo muito a minha trajetória a ele e aos meus parceiros de cena Andréia, Eduardo e Vinicius.


Este ano de 2020 tem nos colocado muitos desafios. Um deles é sobreviver de arte num momento em que vivemos a criminalização da arte, o desmonte da educação e do país como um todo. As mídias sociais têm se mostrado um caminho, ainda instável, mas um caminho.

Como tem sido a recepção dos trabalhos que vocês vêm desenvolvendo nas mídias sociais?

Com certeza 2020 já é um grande marco de virada para o grupo. Já vínhamos com algumas mudanças de estrutura, mas a pandemia acelerou e modificou bastante os planos. Quando começamos a visualizar a paralisação de todas as atividades, aceleramos o processo de venda de nossa sede, e cada integrante começou a procurar outras fontes de renda. Com exceção do Silvestre, éramos quatro pessoas que tinham suas rendas vindas exclusivamente do trabalho com o grupo. Acho que isso nos ocupou bastante… tem sido difícil migrar para um trabalho artístico na plataforma on-line. Colocamos vídeos de peças em cartaz e agora estamos ensaiando on-line também. Mas tudo isso talvez com certa morosidade e sem pretensões financeiras. Acho que o custo de vida tem nos consumido este ano. Mas continuamos com planos e projetos. Ainda não sabemos muito bem como vamos funcionar depois disso tudo. De alguma forma, alguns integrantes têm investido em projetos pessoais, o que também acaba tendo um lado positivo, já que nos coloca fora da zona de conforto.


No espetáculo Frankenstein – Medo de Quem?, o grupo experimentou outro processo, pois a direção ficou por conta do diretor Osvaldo Gabrieli. Como foi essa parceria?

Foi uma grande experiência. Convidamos o Osvaldo porque conhecíamos seu trabalho de grande apelo visual e também para o público infantil. Com o Frank, queríamos nos comunicar com crianças bem pequenas, trabalhando sem texto em português e entendemos que ele poderia contribuir para esse processo. E acredito que acertamos muito. Além de ter nos provocado cenicamente, trazendo uma linguagem muito expressiva e elementos visuais bem interessantes, ele foi um grande parceiro. Ficamos um mês imersos no trabalho e foi uma experiência linda. Foi bem importante ter uma pessoa de fora trazendo propostas e processos diferenciados. Fizemos um bom trabalho confeccionando as máscaras e os materiais cênicos juntos. E acredito que o Frank é um dos nossos trabalhos que teve uma das trajetórias de maior reconhecimento. Participamos do EmCenaCatarina, do SESC, além de grandes e importantes festivais nacionais de teatro por todo o país. Foi também nossa inserção num trabalho com máscaras e de teatro de animação. Tivemos uma mão de fora do grupo, mas acho que conseguimos manter nossa identidade também. Após o primeiro mês de imersão, o Osvaldo saiu e ficamos trabalhando por conta. Mexemos na dramaturgia e fomos nos inserindo no trabalho. Quando ele voltou para a estreia, fizemos mais alguns ensaios de afinação, e o trabalho ficou pronto. Tivemos uma recepção muito positiva do trabalho.


Teatro Playback. Foto de Leo Waltrick.


Você foi uma das primeiras pessoas, no Brasil, a pesquisar e difundir o teatro playback. Seu mestrado é sobre esse gênero cênico. Quais são os seus principais fundamentos. Quais são os principais desafios de sua prática?

O teatro playback é fundamentado numa vontade de fazer um teatro para e com as pessoas. Convidando as pessoas da plateia para contar histórias pessoais, o grupo de atores, músicos e condutor(a) irão encenar essa história de volta (play it back), fazendo uma tradução poética dessa história e dando a ela uma dimensão social (porque a tira de um nível pessoal e a “oficializa” e “universaliza” na cena). Sendo feito a partir de uma estrutura bem estabelecida (com formatos de cena específicos) e através do estabelecimento de um ritual e diálogo aberto, uma apresentação de teatro playback visa abrir um espaço no qual as histórias se complementem e possam ser compartilhadas de forma respeitosa e inclusiva. Acho que um dos maiores desafios ao grupo que se propõe a fazer esse tipo de teatro é saber bem qual é o seu posicionamento ético e político, para poder se colocar diante da responsabilidade, que é abrir esse espaço de diálogo.

Como se posicionar diante de histórias que podem apresentar elementos preconceituosos? Como realmente dar voz às pessoas da plateia, entendendo que os espaços e as pessoas possuem hierarquias tácitas e duras?

O longo trajeto do movimento de teatro playback no mundo nos dá algumas respostas para essas questões, mas precisamos ser um grupo coeso e consciente de sua prática para responder a isso de forma coerente e respeitosa.


O setor teatral é composto por toda a variedade de gente. E não podemos ser ingênuos, pois sabemos que muitas vezes entramos no mesmo esquema de competição que tanto procuramos negar. Em Joinville não é diferente. Hoje, como você vê as relações entre os grupos da cidade? Qual é o caminho para superar as diferenças e tentar construir um horizonte comum?

Eu não sei se ainda sou um tanto ingênua nessa questão. Mas desde que participo do movimento teatral da cidade (desde o final dos anos de 1990), vendo a fundação do Fórum de Teatro e depois sua transformação na Associação Joinvillense de Teatro (AJOTE), percebo, no geral, grande respeito entre os grupos atuantes. Claro que durante esse tempo estivemos inseridos nos mais diversos contextos. A AJOTE já foi muito mais forte e participativa do que é hoje. Desde o nascimento da minha filha, há 4 anos, estive mais afastada das atividades da associação, mas sempre filiada pela Dionisos. Acho que o respeito e a ajuda mútua entre os grupos ainda existe, mas o que me parece que acontece hoje é um enfraquecimento da participação. Estamos enfrentando dificuldades na continuidade da associação por falta de pessoas que estejam disponíveis para trabalhar por ela. Não sei se é a vida que tem nos consumido todos, ou um cansaço perante a aridez das instituições que persistem em ignorar o movimento teatral da cidade, ou mesmo um falta de foco de trabalho… O que sei é que uma luta que travamos desde o início, que era manter nosso galpão funcionando e buscar uma correta utilização para o Complexo da Antarctica, nos parece um jogo vencido. O galpão da AJOTE, há anos um dos aparelhos culturais mais atuantes da cidade, agora parado pela pandemia, tem poucas chances de voltar à ativa, devido ao abandono do seu entorno, o Complexo da Antarctica, que está literalmente caindo. Um lindo e importante local histórico da cidade está esperando desmoronar para ser visto novamente. É bem triste e desmotivador. Sei que muitos teatreiros na cidade continuam bem combativos, com sua produção, participação em esferas públicas e segurando as pontas de seus espaços. Mas vejo o movimento um tanto cansado e desarticulado. Não tenho respostas. Torço para tempos melhores.



Como funciona a dinâmica de ensaios da Dionisos? Acompanho vocês desde o início, e isso, para mim, consiste num privilégio imenso. Tenho curiosidade em saber como funcionam os disparos internos do grupo?

É interessante responder isso num momento em que tudo parece virado ao contrário! No momento, estamos fazendo ensaios on-line com uma frequência bem pequena, visto que, como falei, cada integrante está precisando focar em outras atividades. O teatro playback tem sido nossa forma de ensaio de cena e de nos mantermos conectados como grupo nesta pandemia. Temos discutido alguns projetos de montagem; sempre que surge algum edital, tentamos botá-lo em prática. Mas no geral, fazemos ensaio das peças que vamos apresentar. Por vezes, marcamos dias de alguma leitura ou experimentação, de acordo com alguma ideia de montagem na qual estamos trabalhando. Aqui, vamos tentando encontrar os desejos artísticos dos integrantes… às vezes uns se sobressaem, e o restante do grupo compra a ideia. Se olharmos para nossas peças, todas vieram do desejo prioritário de alguém, e depois todo mundo comprou e meteu a mão! Buscamos também sempre incluir treinamentos específicos nos projetos que emplacamos. Fizemos oficinas com profissionais como Ângela Finardi (corpo e voz), Barbara Biscaro (voz e criação musical), Sandra Meyer (poética do corpo), nos últimos projetos. Também temos os processos de criação e os ensaios para trabalhos em empresas, que geralmente são bem rápidos, devido à dinâmica dos pedidos e das apresentações. Vamos marcando nossos ensaios conforme essas necessidades vão se delineando. E os pedidos para esses ensaios não vêm somente da direção; todos os integrantes vão apresentando suas necessidades. Tentamos sempre balancear nossos sonhos e desejos com nossos limites e possibilidades.


Você falou sobre a conquista de reconhecimento e sobre essa polarização entre artistas famosos e artistas que vivem à sombra das grandes mídias. O que você pensa ser necessário para que uma cidade passe a viver e conhecer sua arte?

Acho que isso passa pela educação, por meio da qual as crianças podem ver e vivenciar a arte, entrando em contato com os artistas locais através de uma mediação que valorize esse contato. Mas passa também por políticas públicas que priorizem a produção artística local, incentivando a formação, produção, divulgação e circulação dos bens culturais promovidos localmente. É necessário que, de forma ampla, consigamos fazer a sociedade olhar para a prática artística como algo de extrema necessidade para o ser humano. Não consigo visualizar um grupo de pessoas que consiga viver de forma democrática e mais igualitária sem o olhar do artista. Assim como também não consigo visualizar pessoas mais ou menos felizes ou mais ou menos sadias sem a arte em suas vidas. É não é só o que vem de fora que é bom. Todas as pessoas deveriam ter a possibilidade de falar de si e de sua aldeia através da arte. Com o mínimo de condições, essas falas podem ganhar o reconhecimento necessário.


Mãe-Criada. Foto de Bianca Vidália.

Mãe-Criada. Foto de Bianca Vidália.


Como surgiu o processo do trabalho de Mãe-Criada? Como foi partilhar com o público o estreitamento dessa fronteira, cada vez mais borrada, entre o real e o ficcional?

Quando escrevemos o projeto, a ideia era que cada ator fizesse seu trabalho solo. Não havia definição de temática. A resposta de que havíamos sido contemplados veio praticamente quando eu soube que estava grávida. Falei para o grupo que eu nem tinha escolha. Por mais que fosse uma gravidez planejada, eu estava tão tomada e atordoada com a nova realidade, que não me via na capacidade de me voltar para outra coisa. À medida que fui compreendendo o abismo que existe entre a assistência atual para a mulher em relação ao parto e à maternidade e a real vivência de cada mulher, fui vendo que eu precisava falar disso. Que o meu corpo de mulher grávida precisava estar em cena para mostrar e questionar uma realidade que não era só minha. Uma angústia, uma grandiosidade, uma dor, um medo, uma beleza que não eram só minhas. Fiz o processo de ouvir várias mães para a construção da cena, visto que este é um elemento da linguagem do grupo. Foi um processo muito importante pessoalmente falando, mas também procurei botar em cena contradições que atravessamos em nossa sociedade. Demandas e opressões que as mulheres carregam em relação à maternidade que precisam ser questionadas. Na estreia, eu estava com oito meses de gravidez e minha mãe estava na UTI. Dividi isso com a plateia. Diretamente ou não, tudo isso estava em cena. Não queria que fosse só sobre mim, mas entendia que meu corpo de grávida tinha muito mais a dizer do que só a minha história.


Por fim, o que você diria a uma jovem atriz que está iniciando sua carreira?

Diria que acho que não tem fórmula pra nada. Parece-me uma carreira bem incerta em relação às possibilidades de caminhos, de forma de realização. Provavelmente você precisará inventar seus próprios caminhos. Busque formação, saiba com quem você gosta de trabalhar, com quem você se identifica pessoal, ética e artisticamente. E sempre tem aquele toque de clichê intuitivo… Segue aquilo que te move, que te inspira e te causa espantos… porque se não for para fazer correr o sangue na veia, definitivamente não vale a pena. Dá muito trabalho!


Entrevista - Atriz Clarice Steil Siewert. Projeto Fazer o Teatro - Diálogo com 4 atrizes catarinenses.



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